
Considerada a celebridade mais influente do mundo pela revista 'Forbes', tem ligado a sua música a formas de activismo ideológico
Mais que um heteró-nimo, um nome artístico ou uma espécie de alter ego, Lady Gaga transformou verdadeiramente a persona que encarnava a aluna disciplinada e dedicada aos estudos num colégio católico para raparigas (e que então respondia pelo nome de Stefani Germanotta). A cantora tornou-se, em boa verdade, uma referência popular de tal forma influente que o alcance global da fama já merece, na Universidade da Carolina do Sul (nos EUA), um curso que o analisa. Mas parecem querer impor-se as questões: quais foram os meios que tornaram Lady Gaga num fenómeno transversal à cultura pop, e de que forma a sua criação artística tem influenciado uma mudança de atitude do público nos tempos modernos? Talvez as razões sejam mais evidentes do que possa parecer.
Inegavelmente, a jovem mostrou--se ao mundo como um autêntico asteróide visual, que rompe em definitivo com a normalização estética das grandes estrelas da música mainstream norte-americana. Quis que lhe chamassem Lady Gaga, esta enfant terrible da indústria discográfica que rapidamente se tornou na sua nova promessa. Estávamos então em 2008, quando o candidato afro-americano Barack Obama lutava pela presidência dos Estados Unidos e se unia com o país com a promessa simbólica de mudança. Lady Gaga lançava, em paralelo, o seu primeiro álbum, The Fame, surgindo como profunda defensora de dois pilares que a caracterizavam e determinariam, posteriormente, o seu sucesso: a diferença e a individualidade.
Será, por tudo isso, inevitável referir a comunidade LGBT (lésbica, gay, bissexual e transgénero) como primeiro motor do êxito da estrela mundial a quem Lady Gaga, agora considerada um ícone queer por excelência, reconheceu o papel na sua carreira, exercendo um profundo activismo pela igualdade dos direitos dos homossexuais. Após ter interpretado o single Just Dance em Maio de 2008 num programa de uma estação de televisão gay, e em Junho na marcha LGBT de São Francisco, e de ter revelado que a canção Poker Face tratava da sua bissexualidade, Lady Gaga participou naquele que considerou "o evento mais importante" da sua carreira: a Marcha Nacional pela Igualdade. Decorreu em Outubro de 2009 e defendia a equidade entre direitos, e que resultou na promessa, por parte do Presidente, que a política militar discriminatória "don't ask, don't tell" (que podemos traduzir como "não perguntar, não dizer", que proibia o serviço militar de homo e bissexuais) seria abolida. São imensas as declarações pró-LGBT que Lady Gaga promoveu com afinco, afirmando que o teledisco de Alejandro, dirigido pelo fotógrafo Steven Klein, "é uma celebração do amor gay".
O assinalar da diferença não se fez exclusivamente aos homossexuais. Muito embora a Malásia tenha proibido a circulação de um dos mais recentes singles, Born This Way, pelo conteúdo que infligia a moral local, e Elton John o tenha considerado como "o novo hino gay", será no mínimo redutor confinar a canção a esse universo. A aceitação pelas múltiplas diferenças (que apregoa nos 201 concertos da Monster Ball Tour) resume--se na canção do segundo álbum da cantora. Lady Gaga é a mãe dos little monsters, ou monstrinhos (expressão afectuosa com que trata os fãs) e parece querer espalhar a noção de respeito por aquilo que é diferente. Como canta no refrão: Whether you're broke or evergreen / You're black, white, beige, chola descent / You're lebanese, you're orient / Whether life's disabilities / Left you outcast, bullied, or teased / Rejoice and love yourself today / 'Cause, baby, you were born this way (em português, numa tradução livre: Não importa se és pobre ou rico / Se és negro, branco, bege, latino / Se és libanês, se és oriental / Não importam se as deficiências / te deixam apartado, achincalhado ou provocado / Alegra-te e ama-te hoje / Porque, baby, tu nasceste assim).
Podendo ser este lado solidário com a diversidade comparado com poucos (e igualmente ousados) artistas na área da música, vemos ser esbatida, progressivamente, as ideias modernas de beleza. Apesar de a imagem do indivíduo continuar central na sociedade e nos media, pela primeira vez esta deixa de ser uniformizada segundo um padrão imposto. O culto da individualidade faz-se em paralelo com o da diferença - e é nos telediscos que estas mensagens e o mito da sua figura inovadora se dão a ver, para além de todos os concertos e apresentações em público realizados (continua na memória o episódio em que Lady Gaga surgiu, nos MTV Video Music Awards de 2010, com um polémico vestido feito integralmente de carne, sobre o qual se especularam várias interpretações).
O carácter quase anedótico da sua aparência ganhou espantosas proporções, sobretudo aquando da estreia do vídeo de Paparazzi, narrativa que é seguida por Telephone, no qual colabora com Beyoncé. Consciente da força da sua postura, Lady Gaga tornou-se progressivamente, à medida que o sucesso comercial se consolidou, mais ousada nas mensagens que pretendeu transmitir. Em Beautiful, Dirty, Rich, canção que praticamente passou ao lado das atenções de muitos, Lady Gaga queima e nada em dinheiro, surgindo como uma caricatura do capitalismo selvagem promovido por um país abalado pelo rebentar da crise financeira. Já Alejandro insurge-se como o primeiro grande teledisco com uma perspectiva crítica da sociedade, mais especificamente da política e da religião, área que volta a pôr em questão no novo Judas, já de 2011. Vemos, aqui, metaforizada uma ideia da música como arma e meio de opinião, diferindo do universo pop da última década (do qual Britney Spears faz inegavelmente parte), reinado pela alienação social e desinteresse pela realidade.
Lady Gaga é, para todos os efeitos, um ícone cultural e a voz de toda uma geração na era do Twitter (onde foi a primeira a atingir os dez milhões de seguidores). Produto artificial de um sistema que se esconde por detrás da figura pública ou não, o seu poder atingiu um enorme, porventura perigoso, estatuto de influência, acarretando uma responsabilidade social que apenas a cantora poderá ter consciência. Resta-nos aguardar o seu futuro que poderá, para o bem e para o mal, depender do acolhimento do novíssimo álbum Born This Way.
1 comentário:
é Fávio ou Fábio?
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